A ópera do psicológico abalado – Werther

Ópera, psicologia e um grande problema social, o suicídio. Como a ópera ‘Werther’ se encaixa esses nichos em uma tacada só.

Poster da première francesa da ópera “Werther”, 1893.

O romantismo é caracterizado por obras longas, de caráter sério e dramático, tanto na literatura, quanto nas artes cênicas. Na ópera, isso é mais que claro desde sua invenção, além de exibir retratos sociais aos quais podemos comparar com os dias atuais.

No ano de 1774, Johann Wolfgang von Goethe escreveu o romance epistolar intitulado “Os sofrimentos do Jovem Werther”, que entre 1885 e 1892 virava ópera. O drama lírico de três atos e quatro cenas com texto de Goethe teve composição do francês Jules Massenet (1842 – 1912) e foi intitulada somente de “Werther”, na qual foi um grande sucesso depois da ópera “Manon”, também de Massenet. 

O libreto com música marcante deu palco a uma das mais trágicas histórias da ópera. A trama se passa entre os meses de julho e dezembro de um ano indefinido da década de 1780, e a música se passa em meio a uma canção natalina – “Noël! Jésus vient de naître”. Entre esse meio melancólico, Werther se vê apaixonado por Charlotte, uma moça doce e delicada, mas que já tem um pretendente chamado Albert. Werther observa Charlotte preparando uma ceia para seus irmãos mais novos e após isso, ele a chama para uma volta, e ambos se apaixonam, em volto a um interlúdio orquestral, Werther se declara para a jovem moça, que também fica apaixonada, porém a declaração é interrompida por Albert, o pretendente que Charlotte prometera para a mãe que se casaria e Albert fica em dúvida sobre as intenções de Charlotte.

Depois de três meses, Charlotte se casa com Albert, e Werther se vê totalmente desolado. Ao ver a jovem, já melancólico, Werther a relembra sobre o primeiro encontro dos dois, porém ela pede para que ele a deixe, porém ela está disposta a recebê-lo em sua casa no dia de Natal. Angustiado, Werther começa a pensar sobre seu suicídio e Albert percebe que o jovem melancólico ama Charlotte.

Na véspera de Natal, Charlotte está sozinha em casa, e com aperto no coração, ela lê todas as cartas que Werther escrevera para ela, com os escritos, a jovem começa a pensar como teve coragem de dispensá-lo e fica cada vez mais triste. Sua irmã, Sophie aparece e tenta consolá-la, mas não consegue. Logo depois aparece Werther, e ele lê um poema para ela, e ela começa a perceber que realmente o ama. Em meio aos abraços carinhosos, Charlotte ordena que Werther vá embora, e ele sai novamente com pensamentos suicidas. Consternado, ele envia um mensageiro para Albert pedindo sua pistola emprestada e Charlotte tem um mal pressentimento e corre para tentar se encontrar com Werther.

Ao chegar no apartamento, Charlotte encontra Werther morrendo. Ela o consola declarando seu amor, ele pede perdão por tudo o que fez e morre. Após sua morte, Charlotte cai em prantos e do lado de fora do apartamento, as crianças cantam com Sophie a música natalina “Noël! Jésus vient de naître” e assim, termina a ópera.

A história de um amor não correspondido é comum em qualquer idade, principalmente quando se é jovem. Porém histórias como a de “Werther” são exemplos de perigos eminentes de pensamentos suicidas e depressão. Por isso, ao tratar desse assunto tão delicado, convidei a psicóloga Karina Ziller.

1. Você pode nos dar dados sobre o crescente número de jovens com depressão, aumento de suicídios.

A partir do boletim epidemiológico do Ministério da Saúde de setembro de 2021, os dados apontam um aumento consistente nas taxas de mortalidade por suicídio nos últimos 10 anos, configurando-se a 4ª maior causa de morte em jovens entre 15 à 19 anos de idade. É importante a gente entender o suicídio como um fenômeno complexo, multifacetado de etiologia multifatorial. Está comprovado a associação da presença de transtorno mental com o comportamento suicida ocorrendo isso em 80% dos casos.

2. Como um sentimento como o amor, pode causar tantos danos psicológicos para as pessoas? E de que forma a psicologia pode ajudar pessoas com esses problemas?

O amor é parte da experiencia humana, ele transita no campo da afetividade e é natural vivermos experiencias amorosas. Porém é preciso avaliar que somos atravessados pelo patriarcado, a cultura machista, por todas as nuances de uma cultura de produção, lucro e performance. Existe um hiperativo social sobre relacionamentos que é a frase “tem que dar certo”, sem questionar o que seria esse “dar certo”, e isso gera uma expectativa irreal. Também gera uma busca pela performance dos relacionamentos, para o sucesso e não pelo vínculo, não usando a frase “que seja eterno enquanto dure”, que aquilo que se busca dentro da relação seja vivido da melhor forma possível. O que vivemos hoje pode influenciar as experiências amorosas e eu enxergo padrões um tanto problemáticos, como o excesso de autocrítica sobre essas experiências. Vemos um grande reflexo disso nas músicas, como na música popular que é chamado hoje de “Sofrência”. Também existe uma falta de acolhimento da própria sociedade, já sendo uma cultura de desfazer dos sentimentos.

3. O que pode ser feito para conter esses problemas, como a depressão e o suicídio?

No meu mundo ideal, precisamos de medidas socioeducativas sobre as emoções e os estados emocionais, nós temos uma educação tradicional muito baseada apenas na obediência e sem tempo para reflexões. Seria tentar criar uma educação voltada para o auto acolhimento, educar as pessoas para se auto acolherem, principalmente nas emoções mais difíceis e ampliar as habilidades para lidar com as frustrações.

“Werther” é uma ópera forte, com uma temática muito abordada na atualidade, que é a saúde mental e ao suicídio. No calendário anual, o mês de setembro é o que trata da prevenção contra o suicídio, no qual é levantado campanhas para a prevenção e que pessoas da área da psicologia e psiquiatria mais se reúnem para que essa prática ocorra cada vez menos. Mais uma vez, a ópera deixa claro que, desde seu início ela se mostrou presente e capaz de expor causas sociais importantes.

A última temporada de apresentações da ópera “Werther” aconteceu em dezembro de 2014, no Theatro São Pedro, em São Paulo. Contando com a direção cênica de André Heller-Lopes, e o elenco contava com Fernando Portari (Werther), Luisa Francesconi (Charlotte), Gabriella Pace (Sophie), Vinicius Atique (Albert), entre outros. Você pode a apresentação clicando aqui.

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